

Aqui eu vou postar um pouco de tudo aquilo que eu sou, faço, gosto, escuto, como, leio, ESCREVO. Será mais um cantinho meu, uma extensão de minha casa; minha casa que é meu coração... pode entrar!



Quando eu era pequeno e morava no interior, minha avó materna, vó Regina, tinha o hábito de aproveitar os retalhos que vinham da capital. Era minha tia, costureira, que mandava e nas tardes frias em Esperança, minha avó sentava-se, puxava sua grande sacola de retalhos e procurava os pedaços que melhor combinassem entre si, para a construção dos seus quadros e dali saiam colchas e almofadas que ela mandava para as suas filhas, guardava ou presenteava os vizinhos; fazia-os sempre à mão, pois não sabia usar a máquina de costura.
Confesso que na ingenuidade dos meus verdes anos, não achava interessante aquele trabalho, nem tão pouco atraente aos olhos... não sabia o que se escondia por trás daquele afazer minucioso que consumia os momentos de minha saudosa avó.
O tempo passou, mudamos de cidade e passei a vê-la com menos frequência, mas sempre percebia a preocupação de minha mãe e de minha tia, a costureira, em mandar por alguém um saco de retalhos para “d. Regina passar o tempo”, como sempre diziam. Lembro que eu, muitas vezes de férias, fui o portador dessa encomenda e ficava vendo-a sentar, e retomar aquele santo e criativo ofício.
__ Vem cá, coloca essa agulha que minha vista está cansada.
__ Menino, deixa esses retalhos aí, não suja!
E eu fazia o que ela pedia só pelo prazer de vê-la ocupada com algo que lhe fazia bem.
Cresci, minha avó se foi e na minha memória aquela imagem nunca se apagou: ainda a vejo a bordar, fuxicar, cortar, emendar, coser retalhos que resultavam em belas colchas que nos aqueciam nas frias noites de julho, em Esperança, quando íamos vê-la nas férias.
E sempre estavam lá, ao lado da cama. De todas as cores, tamanhos, combinações, estampas, cheiros e texturas; algumas com forros, outras não, mas sempre feitas à mão. Adorava dormir com elas, pois eram grandes e me aqueciam naquele frio que não me era mais familiar, pois há muito partira dali.
Hoje, mais amadurecido pelas vivências, percebo a arte que estava por trás daquele labor. Vejo que aquele trabalho era uma narrativa, a forma que ela tinha de escrever o carinho e a preocupação que sentia por nós. Analfabeta, não conseguia escrever com lápis, e sim com aquele seu maravilhoso ofício, verdadeiro texto dos seus dias à espera da chegada dos filhos e netos.
Trazendo isso para mim, para os dias atuais, me vejo como um herdeiro da arte de fazer colchas de retalhos, mas agora não usarei apenas retalhos de panos, mas de memórias de minha vida, onde procurarei pedaços coloridos, de tecido forte, de cores firmes, para que a minha colcha nunca venha a se arrebentar; buscarei nas minhas memórias lembranças de fatos vividos, barulhos dos sorrisos, gostos dos beijos, cores dos olhos, cheiro dos amigos, letras de músicas, postais recebidos, bilhetes entregues às escondidas, fotos com amigos e aí sim, farei o que fazia a minha avó: costurarei tudo e farei a minha colcha de retalhos, para no futuro lembrar com saudades do tempo de outrora.